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Wi-Fi nas profundezas (Exame Informática)
Redes sem fios subaquéticas ou subterrâneas. A 1 Mbps. O futuro das redes já está a ser desenhado no Porto. Agricultura, pesca e indústria petrolíferas podem ganhar novas ferramentas.
No tanque do Instituto Superior Politécnico do Porto (ISEP), já é possível vislumbrar um pouco do futuro das redes sem fios por entre os raios de luz que vêm das janelas. Um protótipo composto por dois módulos demonstra como se processa uma transmissão de um vídeo em direto e com uma largura de banda de 1 Mbps. Comparando com o Wi-Fi tradicionalmente usado em terra firme, 1 Mbps pode parecer um débito “pré-histórico”. Debaixo de água, esta largura de banda assume contornos de recorde. «Que tenha conhecimento, ainda ninguém publicou artigos científicos que deem a conhecer soluções que consigam chegar a 1 Mbps nestas frequências», explica Filipe Teixeira, investigador do Centro de Telecomunicações e Multimédia do INESC TEC.
Na água, as radiofrequências têm um comportamento bastante diferente daquele que costuma ser registado nas comunicações que cruzam a atmosfera. Filipe Teixeira avança com um número que ajuda a perceber um dos principais desafios deste projeto de investigação: em ambiente aquático, as radiofrequências sofrem uma atenuação 100 vezes maior àquela que é registada na atmosfera. No mar, o cenário pode tornar-se ainda mais complexo: «com a água salgada, o efeito de atenuação é maior. E a ondulação provoca uma dispersão do sinal», acrescenta o investigador do INESC TEC.
Desde 1960 que a investigação em torno de sistemas que usam radiofrequências para comunicações subaquáticas não tem registado grande evolução. Filipe Teixeira retomou a investigação nesta área devido a dois fatores: 1) a proliferação de infraestruturas e equipamentos subaquáticos que poderiam tirar partido de um incremento na largura de banda das comunicações; e 2)0 facto de, atualmente, a comunicação de dados em ambiente aquático estar restringida a sistemas com cabos que limitam muito a mobilidade, ou a comunicações acústicas cujas capacidades estão longe de satisfazer as necessidades dos vários equipamentos existentes em lagos, rios e oceanos.
Hoje, quem quiser um acesso à Internet em submarinos, barcos ou drones tem de se contentar com modems acústicos, que custam dezenas de milhares de euros e apenas permitem comunicações de alguns kbps. Com as radiofrequências seria possível criar um sistema de comunicações mais robusto e de custos muito menores.
«As radiofrequências têm a vantagem de não terem a latência das comunicações acústicas. Com as comunicações acústicas, o envio de um simples comando para um dispositivo subaquático pode demorar mais de 10 segundos», recorda Filipe Teixeira.
DRONES E AQUACULTURA
Nos testes efetuados, os investigadores do INESC TEC já conseguiram levar a cabo transmissões de dados a 1 Mbps com distâncias de cerca de dois metros. Com este alcance e esta largura de banda, já seria possível criar um ponto de acesso que permitiria a um submarino, a um mergulhador, um drone aquático, a um navio ou a um conjunto de sensores descarregarem repositórios de dados sempre que passam nas imediações.
«Na aquacultura pode ser especialmente útil, para receber dados de sensores que monitorizam o crescimento de peixes e analisam a qualidade da água. É uma área em que um simples erro pode pôr em causa milhares de euros de Investimento e que, de certeza, receberá com agrado qualquer sistema que ajude a prever uma eventual catástrofe», descreve Filipe Teixeira.
Durante os próximos dois anos, os investigadores que participam no projeto de investigação Under-Fi contam conseguir desenvolver uma solução que permita comunicar a larguras de banda e alcances superiores - e que contemple a integração de recetores de rádio em drones subaquáticos. O projeto pode ainda beneficiar do trabalho que tem sido levado a cabo por Luís Pessoa, outro investigador do INESC TEC, que tem testado protótipos de indução de energia em ambiente subaquático.
«Com um sistema de Indução de energia integrado, um robô submarino não precisa de Ir à superfície para carregar baterias ou descarregar toda a informação que recolheu anteriormente. O que significa que passa a funcionar de forma similar à dos aspiradores robóticos que já existem e que regressam à docking station sempre que terminam uma missão de limpeza», explica Filipe Teixeira.
CIBERAGRICULTURA
Redes sem fios debaixo de terra? Também é possível. No INESC TEC, têm vindo a ser testados protótipos enterrados a 10,20,30 e 40 centímetros no subsolo. Além das antenas que comunicam a 2,4 GHz, os protótipos contam ainda com um placa computacional Raspberry Pie. Nos testes levados a cabo, os investigadores do INESC TEC conseguiram estabelecer ligações tanto entre nós enterrados na terra, como entre um nó enterrado na Terra e outro que se encontra acima do solo. Durante os ensaios, foram registadas comunicações com alcances de 10 metros. O projeto tem evoluído como contributo de alunos de mestrado e doutoramento, Rui Campos investigador do INESC TEC, prevê concluir o projeto de investigação dentro de dois ou três anos. «É uma solução com potencial para a agricultura ou para o desporto, e que permite criar alternativas às comunicações cabladas», refere o investigador. No desporto, as comunicações sem fios poderão ser úteis para a instalação de redes de sensores no subsolo que monitorizam jogadores, espaços ou movimentos dentro de um recinto. Na agricultura, além de sensores que comunicam com retransmissores que se encontram acima do solo, também é possível imaginar redes que comunicam com recetores de rádio instalados em tratores ou com dispositivos portáteis. «Conseguimos chegar a 1 Mbps, mas a largura de banda até poderá nem gera característica mais importante, caso a rede seja usada pare ligar sensores (que geralmente comunicam mensagens debaixo débito) acrescenta Rui Campos.
TRAINEIRAS CONECTADAS
A par das comunicações subaquáticas, os investigadores do INESC TEC têm trabalhado em soluções que comunicam com embarcações que se encontram à tona de água. Desde 2013 que o denominado Edifício Transparente, na Foz do Douro, tem instalado um dispositivo que estabelece comunicações de 1 Mbps com embarcações a 10 quilómetros de distância. O projeto desenvolvido com o apoio da Porto Digital tem sido usado para ligar à internet traineiras da Cooperativa Propeixe durante a faina, Rui Campos, investigador do INESC TEC, acredita que não faltarão interessados: «Nenhuma das traineiras que participaram nos testes tem capacidade para suportar os custos das comunicações de satélite, que podem chegar a milhares de euros mensais». O investigador recorda que o alcance e a largura de banda das comunicações depende da altura a que se encontram os recetores situados em terra e no mar (uma traineira com uma altura maior poderá ter mais alcance e largura de banda - e o mesmo se passa com os recetores instalados em terra). A meta para os próximos dois anos está fixada: criar uma solução com um alcance de 30 quilómetros - a distância correspondente ao mar territorial português. «Com esta solução, podemos estabelecer uma ligação entre a Europa e a América. Basta que haja barcos conectados que funcionam como repetidores», explica Rui Campos.
Exame Informática, 1 de julho de 2015