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Tecnologia. A nova fronteira dos negócios é hiperlocal (Dinheiro Vivo)
Seguir a localização de alguém, descobrir restaurantes por perto, pedir um carro nas redondezas: o hiperlocal é a nova globalização.
Nos próximos meses, uma tecnologia portuguesa vai permitir aos consumidores registarem e pagarem as compras nos supermercados através do smartphone. Tudo enquanto andam pela loja, sem terem de ir para a fila da caixa de pagamento, nem precisarem de dispositivos especiais. Só terão de descarregar a aplicação YouBeep e configurar um meio de pagamento móvel para ter a rapidez e comodidade das compras online enquanto fazem compras offline. É uma invenção da startup portuguesa Xhockware, que em setembro de 2015 lançou uma primeira versão do produto ainda com intervenção parcial de funcionários da loja.
O novo sistema, diz ao Dinheiro Vivo o CEO João Rodrigues, vai permitir que os clientes terminem as compras de forma autónoma. “Esta solução permite a maior autonomia do cliente e a aplicação a todo o tipo de lojas, independentemente da tecnologia do sistema de venda, dimensão ou número de clientes diários”, explica. A startup já tem sistemas instalados em lojas Lidl e Pingo Doce e está “a analisar perspetivas e timings para expandir o número de lojas onde o YouBeep está disponível”. Não só cá mas também noutros mercados, onde já têm algumas iniciativas: Reino Unido, Alemanha, Itália e países nórdicos. Nos EUA, estão a preparar pilotos na Califórnia e no Texas, que serão lançados ao público nos próximos meses.
A Xhockware é uma das várias startups portuguesas cujo modelo de negócio assenta na hiperlocalização, um conceito que surgiu nos anos 90 associado a conteúdos noticiosos de interesse local e que agora está ligado à massificação de várias tecnologias: navegação GPS, redes 4G e omnipresença de smartphones no bolso dos consumidores. Uma primeira vaga esteve mais ligada aos check-ins tipo Foursquare e descoberta local tipo Yelp. Depois, surgiram serviços revolucionários como o Uber no transporte e Airbnb no alojamento. Agora, o Amazon Now entrega as compras da mercearia em poucas horas e há centenas de novas startups hiperlocais, desde a rede para encontrar babysitters no bairro até ao sistema de financiamento online na comunidade.
Em Portugal há vários exemplos recentes. A Findster oferece um sistema de monitorização GPS sem mensalidades, com um pequeno localizador que se conecta a uma aplicação móvel. A Meo tem um serviço de localização familiar. A Zaask criou uma plataforma de contratação de profissionais com base na localização. A Mobiag desenvolveu um software de car-sharing que permite aos consumidores alugarem um carro estacionado na proximidade. E a Mapidea, que faz consultoria geoespacial, entrou esta semana para incubação na Startup Lisboa.
“A killer app será a que tiver a capacidade de agregar estes diferentes tipos de serviço de uma forma intuitiva e simples para o utilizador, poupando-lhe tempo e preocupação”, resume André Freitas, cofundador da aplicação NearUs, que trouxe para a era móvel o conceito das salas de IRC, com base em localização. “Imaginemos uma app em que estamos à procura de uma restaurante e automaticamente encomendamos o que queremos comer lá, e ao mesmo tempo temos a opção de pick-up do táxi de forma sincronizada”, sugere. “Deste modo, quando chegarmos ao restaurante, não temos de esperar pela confeção do prato escolhido.” Antes de confirmar o táxi, a app oferece 50% de desconto numa massagem a poucos metros do restaurante. “Num futuro próximo com a internet das coisas, tudo estará conectado e será mais fácil estas killer apps atingirem a sua real potencialidade.”
A lógica da proximidade
Uma das startups mais interessantes deste espaço é a Mobiag, cujo software permite à CityDrive disponibilizar uma rede de carros partilháveis em Portugal. “Só a forte penetração de smartphones nos últimos 5 anos permitiu lançar com sucesso um modelo de negócio que assenta na capacidade de encontrar um veículo quando preciso dele, e poder fazer a reserva, abrir e fechar as portas do carro sem recurso a um computador ou ao atendimento telefónico”, resume o CEO João Félix.
A componente móvel também está no centro do serviço da Zaask, sublinha o CEO Luís Pedro Martins. A empresa, que permite contratar profissionais para vários serviços num raio de 1 a 500 quilómetros, cresceu 200% no ano passado e já se internacionalizou para Espanha.
Também a app de descoberta de restaurantes Zomato está a crescer exponencialmente – tem perto de meio milhão de utilizadores registados e 1,3 milhões de visitas por mês, com foco em Lisboa, Margem Sul e Porto. Miguel Ribeiro, Head of Growth da Zomato na Europa, revela que a app pretende alargar para o Algarve este ano e que não se trata apenas de um diretório com 18 mil restaurantes: “é também uma rede social para foodies, onde é possível avaliar e dar opinião sobre os restaurantes e carregar fotos.” A app não é portuguesa, mas tem a sede europeia em Lisboa.
Já a Findster tem cerca de um ano e está a ser incubada na HAX Boost, em São Francisco. Distingue-se porque criou um sistema proprietário de comunicação rádio entre o smart-phone e um pequeno localizador, que se pode pôr numa criança ou animal de estimação. “Criámos o Findster a pensar em casos de uso de proximidade em que por alguma razão perdemos o nosso filho de vista por alguns momentos”, exemplifica André Carvalheira, diretor de operações. O sistema não tem mensalidade, ao contrário dos que existem no mercado com cartão SIM, e o alcance é de um quilómetro.
A Meo tem uma solução no mesmo âmbito, Localizz, que é uma tecnologia da portuguesa iMobile Magic, com a vantagem de poder ser usada com telemóveis tradicionais (além de smartphones). “Sendo uma app de localização familiar promove um equilíbrio entre privacidade e tranquilidade de espírito na logística diária”, diz fonte oficial da operadora, referindo que o reposicionamento recente ao nível dos tarifários levou a um aumento do número de utilizadores. É um serviço com mensalidade, mas que permite um rastreio constante da localização dos familiares. Como é que isso se conjuga com a privacidade?
Essa é uma das principais questões que se levantam com estes serviços, que podem incluir reconhecimento por vídeo. O investigador Pedro Carvalho, do Centro de Telecomunicações e Multimédia do INESC TEC, sublinha que os desafios técnicos e legais da utilização de vídeo para localização de pessoas em cenários como segurança, saúde e retalho exigem “uma maior interação entre os engenheiros e as entidades reguladoras”. Um dos projetos recentes em que trabalhou é o Retail Pro, que usa ferramentas de localização espacial por vídeo para perceber as razões que levam os consumidores a permanecer ou não numa loja.
Há uma troca que é preciso fazer: para usar estes serviços, o utilizador tem de ceder dados privados voluntariamente, como a localização, gostos pessoais, hábitos e necessidades. Bruno Fonseca, responsável de marketing da empresa de cibersegurança ESET, aconselha cuidado no tipo de aplicações que se descarregam e nas permissões que se dão. “Se por um lado é positivo por permitir a empresas e programadores a segmentação das suas ofertas mediante fatores geográficos e o lançamento de novos serviços, por outro pode representar alguns riscos para os utilizadores”, avisa, sublinhando que os cibercriminosos estão sempre à espera de lucrar com os dados alheios. “A privacidade será sempre uma questão nas apps de hiperlocalização; a grande diferença é de como cada app processa e guarda este tipo de informação e quão segura é”, diz André Freitas, da NearUs. “Cada vez mais os utilizadores preocupam-se com a sua privacidade”, admite. “No entanto, todos queremos usufruir destas novas tecnologias que facilitam a nossa vida.”