Secções
  Entrada CROB Notícias & Eventos Nós na Imprensa Veleiros Robóticos (Revista da Marinha)
Acções do Documento

Veleiros Robóticos (Revista da Marinha)

Uma tecnologia promissora para a monitorização dos oceanos.

A necessidade de aumentar o nosso conhecimento sobre o Mar tem onduzido ao desenvolvimento de variadas tecnologias, equipamentos e processos para obter informação que nos permita caracterizar, perceber e prever os mecanismos que regem a complexa dinâmica dos oceanos. Para além de variados sistemas de deteção remota a bordo de satélites, existem hoje em dia vários milhares de sensores espalhados pelos oceanos a bordo de veículos ou plataformas muito diversificadas. Exemplos disso são as plataformas, fixas ou submersas, as conhecidas boias oceanográficas fundeadas, as boias derivantes, que percorrem os oceanos ao sabor das correntes e dos ventos, os navios de oportunidade que obtêm dados ao longo das suas viagens ou navios oceanográficos dedicados a missões específicas.

Desde há vários anos que existem veículos submersíveis não tripulados. Os mais comuns, conhecidos por ROV (Remote Operated Vehicle), são robôs submersíveis ligados à superfície por um cabo e telecomandados por uma equipa altamente qualificada. São equipamentos sofisticados com custos de operação muito elevados e que foram fundamentais para conter a fuga de petróleo no poço submarino no Golfo do México, após o acidente da plataforma Deepwater Horizon em 2010.

Menos conhecidos, mas nem por isso menos importantes, são os submersíveis não tripulados e autónomos, capazes de realizar missões submarinas pré-programadas e sem intervenção direta de um operador humano. Conhecidos por AUV (Autonomous Undetwater Vehicle), são submarinos miniatura, movidos a energia elétrica, que transportam equipamentos muito sofisticados para garantir a sua navegação e para realizar as tarefas específicas que lhes são atribuídas. Em 2015 foram usados vários destes veículos na busca dos destroços do voo MH370, em zonas onde era impraticável fazer chegar mergulhadores ou submersíveis tripulados.

Alguns tipos de submersíveis autónomos não têm motor, conseguindo navegar de forma semelhante aos planadores, literalmente voando sob a superfície do oceano.

Como necessitam de muito pouca energia elétrica para alimentar os seus sistemas eletrônicos, os planadores subaquáticos são capazes de realizar missões durante várias semanas, tendo mesmo em 2009 um desses veículos atravessado o Atlântico em 221 dias enquanto recolheu dados do oceano ( saber mais sobre a história do glider SCARLET KNIGHT em https://rucoolmarine.rutgers.edu/atlantici e conheça os gliders em htlp://www.ego-network.org ).

Apesar dos veículos robóticos submarinos serem hoje os meios mais usados na exploração oceânica, o interesse pela automatização de embarcações de superficie tem também vindo a crescer no Últimos anos. O lacto de estarem continuamente na superfície possibilita o uso de sistemas de comunicação e localização baseados em sinais de rádio-frequência, o que não acontece com os veiculos subrnersiveis. Com efeito, os sistemas de posicionamento por satélite, como o GPS, são completamente inúteis mesmo a pequeníssima profundidade. assim como o acesso ás redes de dados via satélite que hoje em dia nos permitem ter ligações em tempo real para praticamente qualquer ponto do globo. Assim, a permanência à superfície permite dispor de comunicações com veiculos robotizados, quer para recolher os dados adquiridos, reprogramar as missões em curso ou mesmo tele-operar a partir de qualquer canto do mundo. Além disso, os sistemas de posicionamento por satélite possibilitam a localização precisa em 3 dimensões, o que e fundamental para georeferenciar a informação adquirida. Também o acesso as redes de monitorização de tráfego maritimo. como o AIS (Automatic Identffication System), cada vez mais generalizado, constitui uma ferramenta fundamental para mitigar os riscos de colisão.

Conjugar o regresso às origens da navegação oceânica em embarcações movidas pelo vento com os recentes avanços tecnológicos é uma receita promissora para a monitorização persistente dos oceanos. Contrariamente a embarcações motorizadas, que têm de transportar consigo a energia (limitada) necessana para a sua propulsão. seja ela na forma de combustíveis tradicionais ou energia armazenada em baterias, um veleiro robotizado pode facilmente obter do meio ambiente a pouca energia que necessita para alimentar os seus sistemas eletrônicos e eletrornecânicos.

Assim, embarcações não tripuladas dotadas dos automatismos que lhes permitam realizar navegação à vela de forma completamente autónoma apresentam potencial para poderem permanecer no mar durante periodos muito longos, que na prática são apenas condicionados pela necessidade de manutenção. avarias ou deterioração de desempenho resultante da inevitável acumulaçáo de vida marinha nas obras vivas. Sendo o proceSso de navegação comandado por aplicações informáticas executadas nos seus computadores de bordo. estas plataformas podem mesmo realizar processos de monitorização sofisticados, tirando partido dos sistemas de posicionamento atuais com grande precisão tridimensional (podendo assim medir em tempo real a altura absoluta da superficie da água) e da enorme capacidade de computação e de armazenamento de dados que hoje em dia temos em computadores miniaturizados (tal como nossos smartphones). Por exemplo, uma embarcação deste tipo dotada dos sensores adequados pode navegar durante dias ou semanas em busca de episódios de poluição numa certa região. e reconfigurar a sua missão para acompanhar e reportar a evolução desse evento.

Desde há pouco mais de uma década foi proposto à comunidade científica internacional uma competição ambiciosa. muito á semelhança dos desafios lançados nas décadas de 60 e 70 do século passado que deram origem ás grandes regatas oceânicas: realizar uma travessia do oceano Atlântico com embarcações robOticas à vela não tripuladas de pequena dimensão. Embora esta competição, denominada Microtransat (www.rnicrotransat.org), não tenha ainda sido completada por ninguém, foi a génese do nascimento de diversos grupos em Universidades, centros de investigação e empresas focados no desenvolvimento de soluções para embarcações à vela robóticas e não tripuladas. Esta é uma atividade de caráter fortemente multidisciptinar que contempla um leque muito variado de áreas. como arquitetura, engenharia e construção navais, eletrônica, ciências da computaçao, automação, robótica ou sistemas de comunicação.

Com o objetivo de reunir a comunidade internacional com interesse neste dominio para partilhar experiências e conhecimentos, foi criado em 2.008 um evento anual, uma competição associada a uma conferência. e que tem decorrido desde então com crescente sucesso. O World Robotic Sailing Champlonship e a International Robotic Sailing Conference tiveram a sua primeira edição na Áustria, tendo desde então decorrido essencialmente na Europa. Em 2009 a organização coube à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto tendo as provas sido desenroladas no mar em frente à praia de Matosinhos. Em 2016 o evento regressa a Portugal, desta vez na cidade de Viana do Castelo e organizado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e pelo INESC TEC, com o patrocínio da Câmara Municipal de Viana do Castelo (consultar www. wrsc2016.com ).

Vários veleiros roboticos foram desenvolvidos nos últimos anos, destacando-se o projeto SAILDRONE, criado por uma empresa americana que desenvolveu o primeiro veículo deste tipo a navegar à vela de forma completamente autónoma durante 34 dias, numa viagem entre São Francisco na California e o Hawaii (consultar http://www,wired.comi2014/02/saildrone e www.saildrone.com). Em Portugal, a Universidade do Porto foi pioneira neste domínio com o desenvolvimento em 2008 do projeto FASt, um veleiro autónomo com 2.5 m de comprimento, integralmente desenvolvido no Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (ver figuras).

O FASt (de FEUP Autor Sailboat) tem um pequeno computador de bordo responsável por todas as funções de navegação. controlo e desenvolvimento de missão. Pode ainda transportar alguns Kgs de carga útil, como sensores diversificados para monitorização ambiental do ar ou da água, câmaras para vigilância ou mesmo sistemas acústicos subaquáticos que lhe permitam comunicar com, ou localizar, veículos submarinos na sua proximidade ( www.roboticsailing.pt).

Usar o vento para navegar é algo que a humanidade faz desde há milhares de anos. Automatizar embarcações à vela não tripuladas para realizar tarefas no Mar de forma autónoma e um desafio presente e que promete dar frutos.

Revista da Marinha, setembro/outubro de 2016

 

Próximos Eventos
Não foi publicado qualquer anúncio de evento.