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Carregar baterias para dar mais estabilidade ao sistema (Água & Ambiente)

O armazenamento de energia não é novidade no sistema elétrico, que há muito recorre às centrais hídricas reversíveis para acumular água produzindo eletricidade quando é necessário. A evolução tecnológica tem oferecido entretanto outras possibilidades de o fazer, como o veículo elétrico. Mais do que garantir a autossuficiência do produtor-consumidor em relação à rede, as baterias assumem-se, para os especialistas, como forma de assegurar mais estabilidade e eficiência ao sistema.

Carregar baterias para dar mais estabilidade ao sistema (Água & Ambiente)

Carregamento veículo elétrico

Há muito que as centrais hídricas reversíveis funcionam como autênticas baterias de grande dimensão. Permitem o armazenamento de água em altitude, com recurso à bombagem, em alturas de baixo consumo, para que a energia elétrica possa ser produzida quando é mais necessária em períodos de elevada procura. "Esta é a maneira mais eficiente de armazenar energia", resume o presidente da APREN (Associação de Energias Renováveis), António Sá da Costa.

A vida útil das centrais hidroelétricas, infraestruturas que podem durar mais de um século, exigindo apenas a substituição de alguns materiais, constituiu uma vantagem face às baterias para acumulação de energia já disponíveis que têm limitações impostas pelo número de ciclos.

A evolução tecnológica tem permitido que as baterias se tornem cada vez mais eficientes, mas há um longo caminho a percorrer. De uma coisa António Sá da Costa está certo: o futuro não será o lítio. "Outro material aparecerá, da mesma forma que também se evoluiu do chumbo", compara.

O presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, lembra que a dinâmica na área é enorme e são anunciadas quase semanalmente novas soluções para baterias, novas combinações e matérias-primas. "O setor dos acumuladores é aquele que reúne maior investimento em investigação em todo o planeta", revela.

Para o administrador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), João Peças Lopes, a "forte evolução tecnológica" que se prevê no domínio das baterias passa pelo desenvolvimento de soluções de elevada densidade energética, com maior autonomia, mais leves, com menores riscos de exploração e uma significativa redução do custo final.

"Desde 2010, o preço baixou mais de 80 por cento, de 1000 dólares por quilowatt/hora (kWh) para cerca de 200 dólares por kWh, estimando-se que possam atingir valores na ordem dos 100 USD por kWh entre 2020 e 2030", sublinha o Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

O Chief Operating 0fficer da Prio, Luís Miguel Martins, acredita que os "super-condensadores" podem a médio prazo revolucionar a forma como encaramos a armazenagem, o custo da energia e a sua forma de utilização. "Temos soluções de baterias que já recorrem a óxido de lítio-titânio, em vez de iões de lítio, o que lhes permite aumentar o tempo de vida útil, trabalhar a baixas temperaturas sem perder eficiência e aceitar cargas de grande potência sem aquecer ou sofrer curtos-circuitos. Esta nova tecnologia assegura ainda uma maior densidade energética, com o seu ânodo a evitar a deposição de material durante as cargas e descargas muito rápidas, o que tradicionalmente conduz a degradação e curtos-circuitos", explica.

No domínio das redes as tecnologias mais utilizadas são o lítio e as soluções de fluxo (redox/vanadium), mas esta última ainda está numa fase mais incipiente de desenvolvimento e apresenta um custo por kWh que pode ser três vezes superior, segundo fonte oficial da EDP Distribuição. 

Um amortecedor para o sistema elétrico

Na opinião do presidente da APREN as baterias não servirão o consumidor particular já que não é possível gerar a este nível economias de escala "Para quê armazenar durante o dia a energia dos painéis solares para usar à noite, recorrendo a baterias que são muito caras, como qualquer equipamento, quando sai mais barato ir buscar esse armazenamento à rede?", interroga-se. Sá da Costa acredita que com o aumento da geração de eletricidade de origem solar o preço da energia nas horas de ponta vai baixar e o diferencial que existe hoje, entre a hora de ponta e a hora de vazio, vai diminuindo. "Fazer essa arbitragem, ao nível individual, tornar-se-á cada vez menos interessante", analisa O mesmo é válido no caso das empresas.

"Esta solução só é interessante para uma fábrica que trabalhe sete dias por semana De outro modo o sistema desperdiçará quase um terço do que aquilo que poderia gerar", argumenta.

A realidade já é outra ao nível do sistema elétrico, e por isso fará sentido a instalação de bancos de baterias de alguma dimensão junto das subestações da distribui- ção, para amortecimento de picos. "A rede elétrica pode estar a trabalhar em regime constante e as flutuações dos consumos são satisfeitas pelas baterias. É mais eficiente do que estar a dimensionar todos os sistemas para satisfazer a hora de ponta", ilustra Sá da Costa.

A questão poderá colocar-se mesmo ao nível da produção. Neste momento não é atrativo mas pode vir a justificar-se em alguns casos, como por exemplo no caso das centrais solares, que em determinadas alturas veem a produção cair para zero porque passou uma nuvem. "Se fiz uma proposta de oferta para entregar 10MW a todas as horas posso investir numa bateria como forma de compensar penalizações", exemplifica João Abel Peças Lopes concorda que a médio prazo, no caso de instalações elétricas que disponham de auto produção, "passará a ser economicamente interessante investir em baterias para transferência de excessos de geração de energia elétrica de períodos de baixo consumo e maior produção para períodos de maior consumo de energia". Essas baterias, antevê, serão utilizadas também por parte de operadores em nós da rede, de forma a "reduzir o trânsito de potências em períodos de ponta evitando o reforço do sistema e diferindo investimentos".

Luís Miguel Martins está convicto de que, a médio prazo, as novas soluções de armazenamento de energia, associadas a redes inteligentes, vão permitir "aumentar a eficiência da utilização" à medida que as energias renováveis, algumas das quais intermitentes, se tornam dominantes no sistema elétrico.

A visão de Nuno Ribeiro da Silva sobre a possibilidade de combinar produção renovável com armazenamento descentralizado é mais otimista. "Vejamos o caso dos telefones. Todos tínhamos de estar ligados a redes e cabos. Hoje o telefone fixo é quase um objeto decorativo lá em casa e andamos de telemóvel no bolso. Estamos ainda longe disso no que respeita ao sistema elétrico, mas é para onde caminhamos. É evidente que as redes vão estar aí durante muito tempo, mas tenderá a haver soluções que permitam que sem redes se consiga ter acesso à eletricidade de maneira mais fiável", afirma.

O presidente da Endesa Portugal considera que, no quadro atual, faz sentido apostar em baterias nos casos de povoações isoladas, onde é possível combinar a auto-produção com os acumuladores, e em sistemas insulares, onde normalmente os custos de produção de eletricidade são mais elevados. "Por exemplo, numa ilha sei que vou ter um pico de procura entre as 20h e as 22h00. Em vez de ter de distribuir gasóleo pelas ilhas para manter uma central pré-aquecida, de forma a que entre no momento de ponta, opto por uma bateria para dar resposta a estas duas horas, complementando a geração própria", ilustra.

A Endesa já está a testar este sistema na ilha de El Hierro, nas Canárias, onde as baterias se combinam com a produção de eletricidade renovável, sobretudo vento e sol. "Há cinco anos que vimos fazendo esse trabalho, que já nos levou a aprender, ajustar e afinar. Estamos a progredir na experiência sobre a melhor forma de otimizar esse casamento entre a produção descentralizada e acumuladores", exemplifica. Esta solução mostra-se uma alternativa para regiões do mundo que não estão eletrificadas. Na Península Ibérica pode também ser adotada no caso das centrais térmicas a carvão.

A EDP Distribuição chama a atenção para a necessidade de separar de forma clara aquelas que são as solu- ções de mercado destinadas aos consumidores finais, "que deverão constituir a maior fatia do armazenamento" na ótica da empresa, das implementações ao nível da rede que têm como objetivo central garantir a seguran- ça de abastecimento e a qualidade de serviço.

"Se a integração for bem conseguida, o que passará, também, pela continuação de introdução de inteligência e pela progressiva digitalização das redes, não esquecendo a necessidade de um desenho capaz dos futuros mercados de eletricidade, é possível que os desafios possam vir a transformar-se em oportunidades. Contudo, um posicionamento mais passivo, se for essa a perspetiva da regulação, poderá conduzir a crescimento significativo da complexidade na opera- ção do sistema, com potencial deterioração do servi- ço", alerta a EDP Distribuição.

Desde 2015 que a EDP Distribuição tem a decorrer, em Évora, uma iniciativa pioneira com recurso a baterias de iões de lítio para avaliar a viabilidade do armazenamento, de forma a tornar a rede de distribuição local mais flexível num cenário de penetração crescente de recursos renováveis que são propriedade dos consumidores.

A empresa tem ainda em fase de teste e implementa- ção uma solução de armazenamento que se adeque ao perfil sazonal de utilização de eletricidade na micro-rede das Berlengas. "As soluções que estão a ser equacionadas visam, entre outras características, minimizar as perdas no armazenamento quando este está num regime de standby por períodos prolongados de tempo". Mas as iniciativas não podem nem devem ficar por aqui, garante a EDP Distribuição.

Carro particular ou Uber sem condutor?

Com o acelerar do desenvolvimento das baterias "o custo dos veículos elétricos em Portugal vai tornar-se muito mais barato e competitivo" relativamente aos veículos com motores de combustão interna", antecipa João Abel Peças Lopes. Esta é, para Nuno Ribeiro da Silva, a grande questão a ultrapassar, mais do que a autonomia A venda de veículos elétricos têm vindo a aumentar nos últimos anos e é a principal opção assumida pelo Governo para descarbonizar os transportes.

Luís Miguel Martins, da Prio, lembra que atualmente as baterias dos automóveis elétricos já conseguem garantir autonomias superiores a 600 quilómetros, no caso da Tesla, e cada vez será maior o número de construtores a anunciar valores desta ordem de grandeza "Um dos obstáculos que impedem uma maior aceitação dos carros elétricos alimentados por bateria é o tempo necessário para as recarregar. Mas até este aspeto negativo está em vias de ser ultrapassado pela procura incessante da redução do tempo de reabastecimento, e o desenvolvimento das redes inteligentes que, associadas a contadores também inteligentes, permitem a utilização da armazenagem de eletricidade dos carros elétricos para equilíbrio de rede de forma economicamente sustentável", garante.

Para 2018 está mesmo prevista pelo Governo a definição de um quadro regulamentar e de uma tarifa para a venda à rede da energia armazenada nas baterias dos veículos elétricos. A Prio defende que a solução deve ser de mercado, ou seja, "tarifas e taxas em linha com as de consumo doméstico, industrial e remuneração da disponibilização de energia em rede de acordo com os preços de 'despacho' das soluções alternativas a cada momento".

Já para Sá da Costa esta opção de política energética não faz sentido. "Há três anos atrás diria que sim. Hoje em dia, depois de andar há mais de dois anos com um carro elétrico e de estar atento às evoluções, digo que não. Se me perguntar: o que vai ser o futuro do transporte privado? Respondo: o uber elétrico sem condutor. Comuma aplicação no telemóvel que diz que precisa de um carro às tantas horas", ilustra.

Na América e na Europa a tendência vai no sentido da economia partilhada, o que significa pagar para ter acesso a serviços e não para ser proprietário do automóvel. Se assim é, "para quê arranjar um sistema complicado em que os carros carregam à noite e descarregam de dia e isso pode ser feito dentro das tais baterias dentro do próprio sistema que são muito mais fiáveis e baratas?, pergunta Sá da Costa, que lembra que um carro é "um mau investimento, porque está 22 a 23 horas por dia parado".

Se a tendência se confirmar, para satisfazer a procura precisaríamos, no máximo, de um quinto dos veículos e os lugares de estacionamento deixam de ser problema "Se não tem veículo não vai fazer arbitragem de mercado. Além disso para fornecer eletricidade à rede vai ter que o carregar. Terá muitos mais ciclos na bateria do que os previstos, o que quer dizer que terá que substituir a bateria do carro mais cedo".

E como se preparam as empresas para toda esta mudança? "O futuro é 'flex fuel', a adequação da solução à utilização. Penso que é a única certeza que podemos desde já ter", responde Luís Miguel Martins, da Prio. A incerteza sobre a fiabilidade tecnológica ainda é grande e o facto de não haver histórico na utilização e estabilidade nas políticas fiscais não permite investimentos de conversão massivos para qualquer nova forma de energia, por constituir um risco não mensurável, justifica.

 

 
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