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Um quarto dos incêndios começa à noite
Maus rescaldos contribuem para reacendimentos.
N os últimos 13 anos, um 
em cada quatro incêndios (27%) teve início durante a noite, entre as 20h
 e as 8h. É o que mostram os dados detalhados do Instituto de 
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Só que os especialistas 
alertam: uma ignição durante a noite tem várias explicações e não é 
necessariamente um fogo posto por um incendiário.
As condições meteorológicas noturnas apresentam normalmente níveis 
mais altos de humidade relativa e temperaturas mais baixas, sendo por 
isso menos propícias ao início de um incêndio. Contudo, os 
reacendimentos devido a rescaldos mal feitos, as reativações de fogos 
quase extintos potenciadas pelo vento e pela secura dos matos (este ano 
agravada pela seca severa) e as projeções de folhas ou pedaços de casca 
de eucalipto incandescentes (que podem voar grandes distâncias) 
transportados pelo vento podem dar início a novos fogos.
“É possível um fogo continuar a arder no subsolo durante horas ou 
dias sem chama visível”, afirma Abílio Pacheco. O investigador  do  
Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência
 (INESC TEC) explica que “quando se extingue um fogo é preciso percorrer
 toda a orla em busca de locais onde o subsolo ainda possa estar a arder
 a temperaturas que chegam a atingir 600 graus”, o que se pode detetar 
pela cor esbranquiçada, odor e calor. Porém, quando o rescaldo e a 
vigilância não são feitos com o cuidado devido, porque há muitos fogos 
em simultâneo e pressão para enviar o combate musculado para outro 
local, “os bombeiros abandonam prematuramente o local e um só incêndio 
aparentemente extinto pode dar origem a outros sete numa orla de três 
quilómetros”.
Para chegar a estas conclusões e à estimativa de que 15% dos fogos 
totais têm origem em reacendimentos, Abílio Pacheco e outros colegas 
analisaram incêndios de anos anteriores e perceberam, por exemplo, que 
um ocorrido em 2010 “deu origem a 28  filhos  que fizeram arder uma área
 Maus rescaldos contribuem para reacendimentos 20 vezes superior à 
inicial” e que um outro registado na serra da Freita (Arouca) em 2016 
“reacendeu 20 dias depois”, conta o investigador, que diz que para estas
 ilações contaram com a análise de causas investigadas pela Polícia 
Judiciária. 
Estas origens são designadas como “secundárias” pela PJ quando olha 
para o número de ignições durante a noite, já que, explica ao Expresso 
fonte desta autoridade policial, é preciso saber ao certo quantos desses
 casos são secundários e quantos resultam, efetivamente, de ignições com
 mão humana seja esta intencional ou negligente. Mas não há números 
certos.
“Muitas pessoas que querem usar o fogo para queimar vegetação ou 
restos de culturas, eventualmente fazem-no a coberto da noite, pois 
sabem que esses fogos podem passar despercebidos”, explica Paulo 
Fernandes, professor associado do departamento de ciências florestais da
 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). O especialista em 
incêndios e gestão florestal considera “normal” a percentagem de 27% de 
incêndios com início durante a noite nestes 13 anos. “A metade das 24 
horas do dia corresponde apenas um quarto das ocorrências”, realça, 
acrescentando mesmo que a distribuição horária dos incêndios por causas 
intencionais “segue o padrão geral” dos restantes incêndios.
Desde o início deste ano e até sexta-feira, a percentagem de 
incêndios com início durante a noite aproxima-se do valor dos últimos 13
 anos. Segundo dados disponibilizados ao Expresso pela Autoridade 
Nacional de Proteção Civil (ANPC), 28% dos incêndios deste ano começaram
 durante a noite (ou seja, 4341 de um total de 15.307 ocorrências). 
Outros dados da GNR, relativos apenas ao período entre 15 de junho e 15 
de julho, mostram que dentro dos incêndios que tiveram início no período
 noturno, apenas um em cada cinco foi intencional. 
Expresso, 26 de agosto de 2016