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Uma vida dedicada aos lasers

Dissociar alguma projeção internacional que Portugal tem na área dos lasers no percurso de vida de José António Salcedo, incluíndo a criação da multiwave, é uma tarefa difícil e que nos parece quase impossível de conceber.

Sentados num pequeno escritório do Tecmaia começámos a conversa e descobrimos logo a modéstia de José Salcedo, mas salta a expressão de realização com o seu percurso de vida. A história da paixão pelos lasers começa aos 19 anos, quando ainda era estudante da licenciatura em Engenharia Elétrica na Universidade do Porto, ao ler um artigo de um jovem norte-americano de 17 anos que tinha construído um laser na sua escola. Pensou que se um estudante de um liceu da Califórnia conseguiu este feito apenas 10 anos depois do laser ter sido inventado, a tarefa não seria impossível para ele. Com a ideia a matutar na cabeça decidiu colocá-la em prática. Durante três anos adquiriu livros e peças e construiu um laser investindo as poupanças provindas das aulas que já dava na Universidade do Porto, e ocupou o seu tempo na árdua tarefa. Foi numa arrecadação gentilmente cedida pelos seus avós, que foi montando o seu laser de C02, com uma potência de 50 watts. A realidade é que teve sucesso e quando o colocou em funcionamento queimou a poita da arrecadação. O relato desta história foi mesmo o seu primeiro artigo publicado na “Gazeta da Física”, em 1973, o ano em que licenciou, onde não faltam as fórmulas científicas e as fotografias a comprovar a ação do laser. Finalizada a licenciatura rumou de malas e bagagens para o outro lado do Atlântico para fazer o mestrado em Engenharia Elétrica na Universidade de Stanford, na Califórnia. Seguiram-se o doutoramento e o pós-doutoramento em Engenharia Elétrica (Lasers de impulsos ultra-curtos) na mesma universidade, onde também lecionou. Ao contrário do que seria de esperar e depois de trabalhar nos laboratórios de pesquisa da IBM e da Westinghouse, decide voltar para a sua terra natal e integrar o corpo docente da Universidade do Porto. Aqui é um dos impulsionadores do INESC no Porto e do seu Centro de Optoeletrónica, uma infraestrutura que considerava essencial para formar a “fornada de jovens de grande qualidade que vinham ter connosco”.

Em 2001, com 50 anos (garante-nos que não foi nenhuma crise de meia-idade), decide enveredar pelo empreendedorismo e começar a trabalhar na fundação da Multiwave, juntamente com alguns jovens alunos. No ano seguinte, quando criou a empresa, José António Salcedo saiu da Universidade onde era professor catedrático para se dedicar exclusivarnente ou seu projeto empresarial internacional. Salcedo afirma que esta mudança radical “corresponde de certa maneira à vontade que tinha de mostrar que a ciência exigente que praticavam podia ter impacto económico e conduzir a resultados que determinavam o nosso próprio emprego”.

Para ilustrar a sua ideia, é com um sorriso nos lábios e em tom de brincadora que nos conta a história do dia em que conseguiram “tirar as calças a um presidente da República”, porque tinha que entrar no laboratório com um fato próprio. “Anos atrás, Jorge Sampaio, então presidente da República, visitou o laboratório do INESC Porto. Visivelmente impressionado com a tecnologia, com o borbulhar de criatividade e de ciência de qualidade e com muitas pessoas a trabalhar intensamente, perguntou-me o que iria ser de todas elas quando acabassem os projectos que estavam a desenvolver, que emprego iriam arranjar. Respondi sem hesitação que o nosso objetivo também era criar condições para o nosso próprio emprego por estar convencido de que passado alguns anos conseguiríamos assegurar que aqueles jovens seriam capazes de o fazer e seguir em frente. Foi compreensivo mas notou-se na sua expressão algum descrédito. Anos mais tarde, quando arrancámos com a Multiwave, Jorge Sampaio estava no seu segundo mandato e veio visitar-nos. Relembrei-o da nossa conversa e disse que estávamos ali todos".

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Começando como uma sociedade com capitais de risco estrangeiros, a empresa já sofreu algumas mutações ao longo dos anos. “Fundamos a Multiwave na perspetiva de desenvolver equipamentos laser para vários tipos de aplicações internacionais, com enfase em aplicações Industriais finas. Depois, com a crise de 2010/2011, e apesar de estarmos a crescer a uma taxa anual de 50 por cento, como éramos uma empresa que inventava, desenvolvia, produzia e comercializava equipamentos nos mercados internacionais, tínhamos necessidade de capital que em circunstâncias financeiras adversas deixaram de ser acessíveis a uma pequena empresa tecnológica sediada em Portugal. A Multiwave tinha três tipos de atividade, uma industrial ligada a lasers de alta potência, outra a módulos baseados em tecnologias em fibra ótica para radares e aplicações bio-médicas e terceira de desenvolvimento de propriedade intelectual. Decidimos vender o negócio dos lasers de alta potência a uma multinacional italiana, que continua a industrialização e comercialização internacional dos produtos “Multiwave” a partir de Milão. Com os módulos de baixa potência constituímos uma empresa spin-off, a MW Tecbnologies, liderada por um grupo de jovens que estavam associados à Multiwave e foram meus alunos.

Entretanto adquiri a totalidade das participações sociais das sociedades de capital de risco e foquei a atividade da empresa no desenvolvimento de propriedade intelectual nesta área. É urna parte que nos permite criar valor a nível internacional e a minha intenção é continuar a desenvolvê-la, focando no desenvolvimento e na exploração de oportunidades de propriedade intelectual, registo e licenciamento de patentes, a partir de capital próprio”.

Depois de ter recebido o prestigiado prémio internacional “IEEE Engineering Achievement Award” pelo seu trabalho nesta área, e ainda não satisfeito com a demonstração de empreendedorismo, em 2012 decidiu “fazer uma viagem de quatro meses por vários países para identificar grupos puramente científicos, mas que na ciência e tecnologia que estavam a fazer pudesse reconhecer potencial para desenvolver novos produtos com relevância no mercado. Liguei-me a um grupo muito bom na universidade NTNU - Norwegian University of Science em Technologt em Trondheim, na Noruega, e criamos a AtIa Lasers, uma spin-off dessa mesma universidade que eu tenho liderado corno co-fundador e CEO. A principal aplicação dos novos lasers de impulsos ultra-curtos que estamos a desenvolver é a deteção e caracterização de hidrocarbonetos relacionados com petróleo e gás, área na qual já trabalhamos com a STATOILA segunda é o processamento especializado com ultra precisão de materiais plásticos e cerâmicos avançados. É uma área que de certa maneira expande as competências e os trabalhos que estávamos a fazer no contexto da Multiwave, não a interseta mas desenvolve uma geração subsequente de equipamentos que não existem ainda no mercado. É um projeto autónomo mas quem sabe no futuro pode beneficiar da experiência que desenvolvemos na Multiwave”, conta.

A sua ligação às universidades conjugada com a experiência empresarial de 20 anos, permite-lhe compreender bem os dois mundos e integrar-se facilmente em qualquer um deles. Na Noruega, por exemplo, contribuiu para o arranque de um programa de empreendedorismo, o NTNU Start. “Para mim não existe dificuldade em trabalhar com estes mundos, não me causam qualquer divisão na cabeça e gosto de potenciar pontes entre os dois. Infelizmente não há muitos académicos com experiência empresarial e há ainda menos industriais com experiência académica. Quando olho para Portugal ainda vejo um divórcio brutal entre empresas e universidades, embora a situação esteja a melhorar significativamente em anos recentes. Para que isso funcionasse bem o modelo de gestão da universidade deveria implodir e transformar-se radicalmente. As universidades deveriam deixar de ser as instituições corporativas que são para passar a ser líderes do desenvolvimento da sociedade”.

É aqui que vemos um olhar mais triste e preocupado de José António Salcedo, que considera que a “responsabilidade” é um factor preponderante para o desenvolvimento da sociedade e “responsabilidade” ainda não se ter instituído como um valorcentral na cultura nacional. Num artigo que assinou recentemente deixou algumas pistas do que é para si “responsabilidade”, começando pelo seu significado no contexto de empreendedorismo. “Um empreendedor é uma pessoa que chama a si a responsabilidade de construir o futuro em que acredita e que quer ter, e de seguida se aplica a construi-lo. Cria riqueza e oportunidades de trabalho para si e para outras pessoas, através do projeto empresarial que concretiza, ou da iniciativa social que mobiliza. Um empreendedor não procura emprego, mas sim oportunidades de criação de valor através das suas capacidades e do seu trabalho. Sente uma oportunidade, agarra-a e atua com determinação. Ancorado em todos os apoios que consiga reunir, aplica o que tem e frequentemente o que não tem na construção desse futuro.

Um empreendedor é resiliente, porque faz o que o apaixona. Porém, um empreendedor sabe que o falhar é uma etapa essencial do processo de aprendizagem. Também sabe que as pessoas detentoras do conhecimento mais valioso são aquelas que já falharam pelo menos uma vez na vida. Os melhores investidores sabem isso. Os outros, que nem sabem o que isso é, apenas conseguem destruir riqueza.

É isso que temos de fazer: tornar Portugal num país de oportunidades para os mais capazes e não para os mais espertos, para que se crie riqueza suficiente para também sermos capazes de cuidar dos mais desfavorecidos. Sem capacidade de criação de riqueza não pode existir justiça social, e uma nação socialmente justa não se cria por decreto mas constrói-se na medida em que o trabalho das pessoas e das instituições o permita. Ficarei feliz quando tivermos construído um Portugal que seja um país de oportunidades para os seus cidadãos, e por eles assim sentido. Porém, esse processo não será simples porque é necessário transformar radicalmente a forma como nos organizamos, trabalhamos e vivemos”.

Terminamos a nossa conversa com José António Salcedo ouvindo que “ao fim de alguns anos de trabalho num certo contexto gosto de me tomar irrelevante nesse contexto e mudar de contexto, para dar todas as qxrtunidadesde realização às pessoas para cujo treino e formação contribuí. Por exemplo, fico muito satisfeito por ver que antigos alunos e colaboradores já arrancaram com outras três empresas internacionais de lasers, a partir de Portugal. Para mim, essa atitude também faz parte da minha “responsabilidade”.” Para José António Salcedo, o futuro afigura-se cheio de oportunidades, porque considera ser sua responsabilidade construir o futuro em que acredita e que quer ter.

País Positivo, 1 de fevereiro de 2015

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